sábado, 2 de maio de 2015

O pensamento musical em um livro de colorir

O pensamento musical em um livro de colorir



Contexto:

 A poucos dias fui com meus pais ao cinema e, enquanto esperávamos o horário para entrar na sala, demos um pulo na livraria do shopping. Pouco tempo depois minha mãe achou esse livro de colorir que virou moda (da autora Johanna Basford) e decidiu comprar um para a casa (já que estamos todos estressados... veio a calhar haha). O livro rapidamente me seduziu e escolhi um dos desenhos para brincar também.
 O problema é que a música é egoísta... e quer fazer parte até mesmo desse processo.

Descrição: 

 Não tem muito o que descrever... é um livro cheio de desenhos em branco e preto que você colore como quiser... os desenhos são bem interessantes e tudo no livro é "colorível" até mesmo a capa e contra-capa. O livro propõe algumas "caças ao tesouro" que eu particularmente achei meio boba. Mas a ideia de um livro de colorir para adultos é incrível. Se alguém encontrar a autora por aí algum dia, de um abraço nela por mim haha.

Passo a passo:

Eis então o que considerei o "pensamento musical" nesse processo.


 Não sei se acontece com todo mundo quando folheia esse livro, mas eu olho para a figura em preto-e-branco e já vejo a figura com cores. Não exatamente como pintei, mas algumas delas grudam na cabeça e já não consigo mais ver de outro jeito. Associo isso àquele momento em que se olha a partitura pela primeira vez e vem aquela noção de como é a música, mesmo sem saber como ela soa... é fácil perceber momentos de maior ou menor tensão, de mair velocidade e coisas do tipo. Quando vejo a partitura assim, eu costumo já buscar separar as partes maiores.




 No desenho, é fácil perceber duas grandes estruturas. O corpo e as asas da libélula. Por já enxergar a libélula verde, optei por fazer o contorno do corpo de verde escuro pois achei que os tons mais escuros fariam mais sentido como contorno do que cor principal.as "asas menores" que estão contornadas de verde escuro é porque para mim parecia que as asas precisavam de um suporte... "muscular"? Enfim, achei que essas partes seriam a sustentação das asas e os biólogos que se mordam caso não seja isso. Musicalmente, seria como separar duas partes de uma música... seja "verso x refrão" "tema x desenvolvimento" "tema A x tema B" ou whatever.



Escolhida a cor para o corpo, faltava caracterizar as asas. Estas eu enxerguei como tendo duas partes. a superior e a inferior. E quis que as superiores fossem as mais coloridas/chamativas. Portanto optei por usar cores próximas entre as duas, porém diferentes. Na música, é muito difícil ver sessões completamente diferentes, é mais comum existirem sessões contrastantes mas com algo em comum que garanta uma coerência (caso exista). Pensando nisso, fiz com que o contorno das asas de baixo  fossem da mesma cor que o preenchimento do corpo. Assim eu criava uma conexão entre as duas partes. Musicalmente isso é análogo ao processo composicional de colocar trechos de um segundo tema na sessão do primeiro, mas com menor importância.


Com as asas superiores o raciocínio foi o mesmo. Escolhi fazer o contorno dos olhos de amarelo para deixar as 3 cores principais sempre juntas... numa ideia de sobreposição verde escuro > verde claro > amarelo. Com isso a minha "estrutura" estava completa e agora seria o momento de começar a "deixar bonito". Analogamente, é como se uma dada música já estivesse "aprendida" e/ou ensaiada. Com notas e ritmos no lugar, seria então o momento de começar a deixá-la interessante.



O primeiro passo foi pensar que as asas deveriam parecer leves, para que ela pudesse voar. Escolhi esse "rosa não-sei-o-quê" porque me passava essa impressão. Inicialmente pensei em fazer esse efeito de "clareando" em todo esse preenchimento da asa... mas achei que iria deixá-lo sem graça se usasse demais, então busquei economizar para deixá-lo mais efetivo.... É um pouco do princípio de "se quiser enfatizar tudo... vc acaba não enfatizando nada"



A partir desse momento comecei a selecionar papeis diferentes para cada cor. O azul escuro seria relacionado ao preenchimento do corpo e o vermelho seriam alguns detalhes ornamentados... Como eu parti da ideia de aproximar "corpo e asas" então busquei usar o vermelho em ambos. Além disso, tratei as cores como "motivos musicais", de forma que formas semelhantes teriam a mesma cor. Como se fossem idéias musicais espalhadas pelo espaço e a coloração delas seria uma forma de indicá-las


Como as asas tinham seu efeito próprio, busquei fazer algum efeito diferente para caracterizar o corpo. Um deles foi o contorno em vermelho com meio branco na parte logo abaixo das asas. Outro foi de aproveitar as figuras que "surgiam" ao longo do corpo e fazer uma espécie de "crescendo"... porém, como minha habilidade manual com lápis é meio debilitada esse crescendo acabou ficando um pouco fracassado. Como dito anteriormente, as asas superiores seriam o meu "clímax" da música. Então repeti o efeito anterior mas em uma outra cor (laranja) para diferenciar do restante da asa. Novamente, para a cor não ficar "jogada" no desenho, eu coloquei ela em uma estrutura discreta do corpo. 




Como não sei o que é um "clímax" em cores, eu tentei fazer isso apresentando uma cor única e exclusiva dessa parte. No caso é esse "azul-mais-bonito" que ficou aí. Por querer que ele fosse exclusivo, eu optei por não mostrá-lo em outro lugar (dã, capitão óbvio). Isso é análogo àquela escolha que se faz na música: "aqui será onde quero chegar" e todo o resto é uma preparação para que esse momento  "chegue chegando"





Terminado o desenho, fiz algumas sombras ao redor dele para buscar "separá-lo do papel"., Musicalmente isso é um pouco difícil de explicar... É algo como separar um momento no tempo, ou no espaço em que tiver para se notar/viver apenas a música. Há diversas formas de se fazer isso, uma delas é propondo alguma reflexão antes da peça ou coisas do tipo.

É isso aí, não foi nada estritamente teórico ou prático, mas achei o raciocínio interessante para compartilhar. Espero que seja útil para alguém

Um abraço a todos e lembrem-se que é possível colorir as coisas mesmo que a vida esteja em preto-e-branco.

 Augusto Girotto

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