domingo, 28 de dezembro de 2014

Composição própria - Pontinho Preto

Composição própria - Pontinho Preto



 Contexto:


    No começo desse ano dois professores pediram propostas de composição como trabalhos na faculdade. Um deles, o professor de análise, pediu uma composição que fosse em forma binária composta (a | ba) terminando em uma extensão cadencial, seguindo a estrutura de uma sonata em forma de tema e variações do mozart (não lembro o kv...). O outro professor, de composição, tinha deixado a composição ser livre. Como bom preguiçoso, aproveitei para usar a mesma composição em ambas as aulas.

    O curioso é que acredito ser essa a primeira vez que essa peça é apresentada por inteiro, sem nada que comprometa sua compreensão. Quando ela foi apresentada na sala de aula a versão foi outra, pois essa versão não segue totalmente o modelo do mozart (a primeira parte do mozart tem 2 frases, essa tem 4... e os períodos da minha primeira parte não são simétricos paralelos). Pedi uma vez para uma amiga tocá-la em um evento de composições dos alunos na faculdade... mas ela meio que debochou a peça na época (ficou procurando vários motivos para falar que a peça não prestava, que o que eu tinha escrito não fazia sentido... e quis mudar um monte de coisa que eu tinha feito) e não se dedicou tanto. Decidi então eu mesmo estudá-la (27/12/2014)  e dar um pouquinho de atenção a essa peça, porque se eu mesmo não der... ninguém mais vai dar hahaha.

 Descrição/Processo composicional:






Falam que a pior coisa existe é um compositor falando da própria obra e, confiem em mim, como já vi isso algumas vezes eu concordo plenamente. Como o blog é meu e a peça também, peço que me perdoem e tolerem.  Vou tentar ser o mais objetivo possível e fazer um passo a passo da construção da composição.

- Como um dos trabalhos definia que a peça tinha que ser um binário composto, eu já tinha a estrutura em mente. Independente de qual fosse o tema, eu teria que apresentá-lo inicialmente de forma suspensiva e, logo após, de forma conclusiva. Depois fazer a mesma coisa em seguida trocando o tema suspensivo por uma parte contrastante. Como tinha que imitar o modelo da peça do Mozart, o tema conclusivo da segunda parte deveria terminar em uma extensão cadencial.

- Definida a forma, procurei o "assunto" sobre qual eu basearia a composição (não acho que esse assunto seja necessário... mas gosto de imaginar que estou falando algo musicalmente). Decidi basear a peça em uma história contada pelo professor de composição:

 Uma vez ele passou o mesmo trabalho para uma outra turma e um dos alunos, que odiava compor, entregou o trabalho como uma folha branca com um pontinho preto. Como se dissesse que a vida dele estava ótima, até ter que compor... como se "compor" fosse o ponto preto na vida dele.

Gostei da ideia e comecei a procurar um tema que, para mim, representasse o pontinho preto em uma folha branca. Ou, pela analogia, uma tristeza em meio a uma vida feliz.

- Após ter a forma e o assunto comecei a visualizar a história e cantarolar o que me viesse a cabeça. Nisso surgiu um esboço do tema, como eu precisava adaptar ele a forma eu fiz algumas mudanças matemáticas para que ele coubesse na fórmula de compasso e possibilitasse as duas versões (suspensiva e conclusiva) de forma que eu gostasse.

- Depois de definido o tema, comecei a tocar a mesma frase em vários tons diferentes, até encontrar uma tonalidade que me agradasse mais... que eu achasse que a "cor" combinava mais com a imagem que tinha na cabeça, escolhi C#m.

- Nesse momento eu tinha: a melodia da mão direita completa de forma suspensiva e conclusiva (já com a extensão cadencial para a segunda parte).
Me faltava: Acompanhamento para a primeira parte,harmonia da parte contrastante,melodia da parte contrastante e acompanhamento da parte contrastante.
Então fiz a coisa mais óbvia e clichê do mundo... Peguei o tema da mão direita e joguei ele para ser o baixo da parte contrastante, garantindo assim uma conexão do contraste com o tema.

- Essa parte do meu processo composicional é muito parecida com aquele livro de colorir.... você já tem o desenho e algumas partes pintadas, Só falta pintar o resto. Aproveitei que o tema é arpejado e usei o inverso do primeiro motivo para ser o acompanhamento. 
Quanto a parte contrastante, imaginei que seria interessante fazer dela um momento de maior instabilidade/movimentação harmônica para fazer a volta do tema parecer mais interessante (porque convenhamos... o tema já tinha repetido bastante... se não voltasse mais interessante ia ser um saco hahaha). Para gerar essa tensão eu acelerei o ritmo harmônico, tonalizei acordes que ainda não tinham aparecido, cortei as respirações da frase e oitavei os arpejos da mão direita.

- Após tudo isso, a peça já estava pronta, apenas ouvi ela mais algumas vezes por alguns dias para procurar coisas que ainda me incomodavam. Por exemplo o acompanhamento da primeira parte estar muito repetitivo... então a primeira vez descendente e a segunda ascendente. Ou sentir falta de densidade... que eu resolvi colocando o acorde cheio quando achei que precisava.

Dificuldades/Soluções:

- Sempre que eu começava a compor algo, eu chegava naquele momento que eu não sabia mais o que fazer... ou como continuar. Isso acontecia porque eu compunha a peça trechinho por trechinho, ao invés de planejar ela inteira antes de começar a escrever as notas (como schoenberg recomenda).

- Muitas vezes, quando tentava compor algo, um trecho ficava totalmente desconectado do outro... e era difícil achar coerência na peça e ela acabava virando uma colcha de retalhos. O princípio para resolver isso é fácil. "Uma música não é feita de um milhão de ideias, mas sim de poucas ideias apresentadas de várias formas diferentes".

- Tecnicamente falando, achei complicado tocar a parte que é oitavada pois nunca tinha feito isso antes, recomendo estudar oitavas antes de tentar tocar algum repertório que apareçam.

É isso aí, primeira composição minha que vai para o blog. Espero que gostem e que o processo composicional seja útil.
Um abraço e lembre-se que seus pontinhos pretos deixam suas folhas mais brancas.
 Augusto Girotto



2 comentários:

  1. Gostei bastante! E o mais legal é poder conhecer o processo composicional... Quando me "deram a dica" de pensar na peça inteira antes de colocar as notas no papel, mudou completamente minha visão e economizou muitas horas da minha vida hehehe! Parabéns Girotto, poste mais composições suas! :)

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