sábado, 30 de janeiro de 2016

Intervalos musicais (Parte 1).

Contexto:

 Esse é, para mim, o assunto mais importante de todo o aprendizado da teoria musical, pois eles te dão fundamento para compreender uma parte gigantesca de várias áreas do estudos da parte "lógica" da música. Eu queria fazer esse post faz tempo mas, como sei que vai ficar gigantesco, tinha protelado até agora. Decidi fazer para auxiliar os estudos do meu mais novo aluno particular.

 Coloquei "parte 1" pois nesse tópico abordarei apenas como os intervalos são estudados quando se decide por uma das notas em evidência na música. Ou seja, nos sistemas tonal e modal. A música atonal/pós tonal possui uma lógica um pouco diferente que abordarei em outro tópico.

 Descrição: 

 Sobre a lógica do termo

 Começarei essa explicação de modo um pouco diferente do convencional... falando do próprio termo.

 Se separarmos do contexto musical, a palavra Intervalo se resume a um espaço entre dois pontos. Quando temos, por exemplo, um intervalo das 11h30 ao 12h nos referimos ao momento entre os pontos "11h30" e "12h".

 Se pegarmos as propriedades puras do som: Altura, duração e intensidade (como o timbre é resultante da combinação dessas 3 propriedades, não o considero como uma propriedade no âmbito teórico). Podemos estabelecer pontos e analisar que tipos de intervalos cada parâmetro geraria.

 Analisar a diferença de intensidade entre duas notas parece de pouca importância. Pois nosso ouvido não é tão sensível às alterações de intensidade quanto é para os demais parâmetros. Portanto esses "Intervalos Dinâmicos" tem mais utilidade quando relacionados ao pensamento formal ou fraseológico.

 Analisar as diferenças de durações entre sons, por outro lado, já é interessante desde o primeiro instante, pois definir proporções entre a durações dos sons possibilitou que a partitura tenha se tornado capaz de indicar durações de notas com mais exatidão. Ao estudo dos "Intervalos de tempo" demos o nome de "Rítmica".

 Analisar as distâncias entre as alturas dos sons possibilita termos uma noção acústica de estabilidade ou instabilidade de tal relação, baseada em seus harmônicos (assunto este que ficará para outro post, devido a sua extensão também). Visto que a música ocidental se apoia muito mais nas alturas, tal relação foi nomeada "Intervalos Musicais"

 O que são os intervalos musicais?

 Resumidamente, intervalos são as relações que se dão entre notas de alturas diferentes (o que leva à discussão do uníssono, que falarei mais adiante) e são classificados através de 2 parâmetros: o grau do intervalo e a especificação do intervalo.

 Classificando intervalos simples.

 Intervalos simples são todos aqueles com grau entre 2ªs e 7ªs (ou 1ªs e 8ªs, devido à discussão do uníssono) e especificações de "maior", "menor" ou "justa".

O Grau do intervalo se define simplesmente pela distancia entre os nomes das notas na escala diatônica.

 Por exemplo, tendo:

dó - ré - mi - fá - sol - la - si - dó - ré ....

 Se quisermos descobrir qual o grau do intervalo entre ré e si:

dó - ré - mi - fá - sol - la - si - dó - ré ....

 Basta estabelecermos a nota ré como a Fundamental (ou seja, a nota que será tomada como referência)  e contarmos quantos "nomes de notas" há entre eles. Então, partindo da fundamental temos:

1ª Ré
2ª mi
3ª fá
4ª sol
5ª lá
6ª Si

 Com isso, descobrimos que o intervalo entre Ré e Si é de 6ª. Simplesmente por chamarmos uma nota de de "Ré" e a outra de "Si".

 O GRAU DO INTERVALO NÃO SOFRE ALTERAÇÕES COM ACIDENTES!!!

 Ou seja:

Ré e Si é uma 6ª
Ré# e Si é uma 6ª
Ré e Si# é uma 6ª
Réb e Si é uma 6º
Rébbbb e Si##### é uma 6ª.

 O grau do intervalo estabelece uma relação entre o nome das notas, quem vai se preocupar com a distância "espacial" entre elas é a Especificação do intervalo.

 A Especificação do intervalo  se define pela distância entre semitons entre essas notas e é subordinado ao grau do intervalo. Vale lembrar que "semitons" não são intervalos, apenas uma unidade de medida. Para efeito de contagem, vale lembrar que as notas mi-fa e si-do não possuem semitom entre elas.

 Quando eu vou explicar como se acha a Especificação do intervalo eu costumo fazer uma tabela até a oitava com todos os semitons. Da seguinte forma:



PS: Os termos 'Maiores" "Menores" e "Justos" têm a ver com série harmônica e temperamento, portanto não falarei disso nesse post.
PS²: O trítono não foi classificado nessa tabela para fins didáticos





Assim se quisermos saber qual a classificação do intervalo entre as notas Eb e C deveremos seguir os seguintes passos:

1º Achar o Grau do Intervalo.

 Eb até C tem grau 6 pois:

E - 1ª
F - 2ª
G - 3ª
A - 4ª
B - 5ª
C - 6ª


2º Achar a distância, em semitons, entre as notas.

 Eb até C possui 4T e 1/2 pois:

Eb +1T = F +1T = G +1T = A +1T = B +1/2 T = C.


3º  Descobrir a Especificação do Intervalo

 Portanto, Eb - é uma 6ª Maior.

 Pois o intervalo de 6ª que possui 4 T e 1/2 é o de 6ª Maior. Visto que a 6ª menor possui apenas 4T.

PS: Muita gente associa intervalos "maiores" às notas que possuem sustenidos (#) e intervalos "menores" à intervalos com bemois (b). Esse pensamento é equivocado, a especificação se dá apenas pela distância em semitons relacionada ao grau do intervalo

 Intervalos alterados

 As vezes, a relação entre as notas geram intervalos que não se especificam em Maiores, Menores e Justos. Tais intervalos são chamados de alterados.

 Peguemos, por exemplo, o intervalo entre as notas C# e Eb

Aplicando os 3 passos temos:

C# - Eb é uma 3ª, pois:

C - 1ª
D - 2ª
E - 3ª


e possui apenas 1 T de distância, pois:

C# + 1T = D# (Eb enarmonizado)


3ª com 1T = ??

 Se observarmos a tabela, as 3ªs naturais tem valor mínimo de 1 1/2T (3ª menor) e máximo de 2T (3ª Maior). E o intervalo de 1 T é uma 2ªM.

 Nesse caso temos um impasse, pois assim o intervalo não é, naturalmente, nem uma terça e nem uma 2ªM.

 Costumo brincar que nessas horas o intervalo se sente deslocado e ganha uma crise de identidade.... virando um intervalo alterado. Que vai se modificar para encontrar uma classificação.

 Como dito anteriormente, a Especificação do Intervalo é subordinada ao grau do intervalo. Portanto O GRAU DO INTERVALO NUNCA MUDA. Repitam comigo:

O GRAU DO INTERVALO NUNCA MUDA!

(amém)

Portanto esse intervalo ainda será uma 3ª por chamarmos as notas de C# e Eb.

 Assim, é como se pegássemos um intervalo de 3ª menor (1T e 1/2) e "cortássemos"  1/2T fora. Diminuindo esse intervalo. Fazendo com que ele se transforme em um intervalo diminuto. Assim sendo, o intervalo entre C# e Eb é de uma 3ªdiminuta.

Caso precisemos aumentar um intervalo, como por exemplo C - E#. que também é uma 3ª, só que dessa vez com 2T e 1/2, pegaremos o intervalo de 3ª mais próximo (3ªMaior - 2 tons) e "esticaremos" ele em meio tom. Tornando-o, assim, uma 3ª aumentada.

Se mesmo após alterarmos o intervalo, A especificação do intervalo não combinar com a distância em semitons, podemos continuar alterando o intervalo. Deixando-os 2x Aumentados ou 2x Diminutos, e assim sucessivamente:

C - Eb = 3ª menor|  C# - Eb = 3ª Diminuta | Cx - Eb = 3ª 2x Diminuta | Cx - Ebb = 3ª 3x Diminuta e assim sucessivamente

C - E = 3ª  Maior | C- E# = 3ª Aumentada | Cb - E# = 3ª 2x Aumentada | Cb - Ex = 3ª 3x Aumentada...

Logo, ao alterarmos os intervalos, seguimos o seguinte padrão:













Direcionalidade do intervalo

 Um intervalo pode ser harmônico ou melódico.

 O intervalo é considerado harmônico quando ambas as notas acontecem ao mesmo tempo. A classificação nesse caso se dá apenas pelo grau e especificação do intervalo e se calcula da mais grave até a mais aguda.

 Quando o intervalo é melódico, isto é, com uma nota vindo após a outra ele pode ser ascendente (segunda nota mais aguda do que a primeira) ou descendente (segunda nota mais grave do que a primeira). Em ambos os casos, a primeira nota é dada como referência e a segunda nota que gera a classificação do intervalo. Por exemplo, no caso de uma 3ª Menor partindo de C teríamos:

 3ª Menor Ascendente (C-Eb), pois:
Grau:
1ª C
2ª D
3ª E

Distância de 1T e 1/2:

C + 1T = D + 1/2T = Eb


e

3ª Menor Descendente (C - A), pois:

Grau:

1ª - C
2ª - B
3ª - A

C - 1T = Bb - 1/2 T  = A

Ps: se ao invés de contarmos os graus na ordem inversa decidirmos usar a nota A como referência, o intervalo resultante é o mesmo:

1ª - A
2ª - B
3ª - C

A + 1T = B + 1/2T = C



Inversões de intervalos simples.


 Inverter um intervalo significa mudar o registro de uma das duas notas de modo que a nota mais grave se torne a mais aguda (ou a mais aguda se torne a mais grave). Para se fazer esse cálculo rapidamente existem dois macetes

 Soma dos graus = 9

Quando somamos o grau do Intervalo Original (Io) com o Intervalo Invertido (Ii) a soma sempre dá 9.

Io + Ii = 9

Por exemplo, se pegarmos a terça menor Descendente C- A e decidirmos invertê-lo para que vire um intervalo ascendente teremos um intervalo de grau 6, pois:

Intervalo Original = 3ª Menor = 3

3 + Ii = 9

Ii = 6

Conferindo:

1ª - C
2ª - D
3ª - E
4ª - F
5ª - G
6ª - A

 Essa proporção se mantém em qualquer inversão de intervalos simples.

 C - D = 2ª    -> D - C = 7ª
 C - E = 3ª    -> E - C = 6ª
 C - F = 4ª    -> F - C = 5ª
 C - G = 5ª    -> G - C = 3ª
 C - A = 6ª    -> A - C = 3ª
 C - B = 7ª    -> B - C = 2ª


Inversão das especificações
 Quando invertemos um intervalo as suas especificações se invertem para seus opostos. Portanto:

Qualquer intervalo MAIOR será invertido em um intervalo MENOR

por exemplo:

 C - E = 3ª Maior
 E - C = 6ª Menor

Qualquer intervalo MENOR será invertido em um intervalo MAIOR

C - Ab = 6ª Menor
Ab - C = 3ª Maior

 Qualquer intervalo JUSTO será invertido em outro intervalo JUSTO

C - F = 4ª Justa
F - C = 5ª Justa

 Qualquer intervalo DIMINUTO será invertido em um intervalo AUMENTADO

C - Gb - 5ª Diminuta
Gb - C - 4ª Aumentada

Qualquer intervalo AUMENTADO será invertido em um intervalo DIMINUTO

C - F# - 4ª Aumentada
F# - C = 5ª Diminuta


Intervalos compostos.


 São considerados intervalos compostos aqueles a partir de uma oitava. Por exemplo 9ªs, 10ªs e etc.  suas especificações serão as mesmas dos intervalos simples correspondentes.

2ªs são naturalmente Maiores ou Menores, portanto as 9ªs são naturalmente Maiores ou Menores

3ªs são naturalmente Maiores ou Menores, portanto as 10ªs são naturalmente Maiores ou Menores.

4ª é naturalmente Justa, Portanto a 11ª é naturalmente Justa.

 E assim em diante.

Ps: Tome cuidado para não confundir os intervalos compostos com extensões de acordes. A 9ª como intervalo composto é uma "2ª separada por uma 8ª". Já a extensão do acorde "9ª" é uma nota adicionada a um acorde com 7ª que não necessariamente precisa estar "separada por uma 8ª" da fundamental dentro do voicing do acorde.


Inversões de intervalos compostos.

 A inversão dos intervalos compostos é praticamente igual a dos intervalos simples, respeitando a diferença das oitavas.

 Se faz da seguinte forma:

1- Reduz-se o intervalo composto a um intervalo simples retirando quantas oitavas forem necessárias

2- Inverte-se o intervalo simples

3- Retorne as oitavas retiradas para o novo intervalo.


Por exemplo, se eu quiser inverter um intervalo de 9ªM

1 - 9ªM = 2ª Maior + 8ªJ (por exemplo em Dó: , , Mi, Fa, Sol, La, Si, Do , Re)

2 -  Invertendo a 2ªM => 7ªm

3- 7m + 8ªJ = 14ªm

Portando, a inversão de um intervalo de 9ªM é um intervalo de 14ªm.



Discutindo o uníssono e as 8ªs.


 Existe certa discordância em torno do uníssono e das Oitavas que, embora não seja tão impactante/importante, serve como aprofundamento teórico. para manter uma certa imparcialidade no blog vou mostrar a lógica que cada um dos lados defende.


 Começaremos pelas Oitavas, que para alguns é considerada um intervalo simples e para outros é considerada um intervalo composto.


8ª como intervalo simples


 Aqueles que a consideram um intervalo simples devem, obrigatoriamente, invertê-la como um intervalo simples. Ou seja, a inversão de uma 8ªJ seria uma 1ªJ. 

 Os problemas dessa visão são 2:

- Ao se inverter uma 8ª Aumentada, teoricamente se tem uma 1ª Diminuta. O que é impossível pois a 1ª Diminuta seria uma redução de 1/2T de um intervalo d 1ªJ (que possui 0 Tons de distância), ou seja, a 1ª Diminuta teria -1/2T, o que não existe.  Repetindo NÃO EXISTE INTERVALO DE 1ªDIM. Quando vemos por exemplo, E e Eb, esse intervalo é uma 1ª Aumentada descendente.

- O outro problema é que se considerarmos a 8ª um intervalo simples teremos notas de registros diferentes classificadas da mesma forma. O que deixa o critério para a diferenciação de intervalos simples e compostos um pouco duvidoso.

De qualquer forma, se optar por considerar a 8ª como intervalo simples, sua inversão será a 1ª, lembrando que 1ªDim não existe. Logo, 8ª Aum seria exceção da regra e se inverteria em uma 2ª Aum no mesmo sentido.


8ª como intervalo composto

 Aqueles que a consideram um intervalo composto devem, obrigatoriamente, invertê-la como um intervalo composto. Ou seja, a inversão de uma 8ªJ seria outra 8ªJ.

 Os problemas dessa visão é:

- Os intervalos de 1ª ficam sem inversões possíveis, ou se inverteriam neles mesmos. Isso não é um problema para a 1ªJ (pois a inversão nela mesma faz sentido, visto que é um intervalo sem direcionalidade). Porém isso atrapalha a 1ª Aumentada, que não pode ser invertida nela mesma.



 E o uníssono?

  Há a dúvida se o uníssono pode ou não ser considerado um intervalo, pois ele possui algumas características um tanto quanto especiais.

 - Para se ter um intervalo, necessariamente precisamos de dois pontos. Se considerarmos o uníssono um intervalo teríamos 2 pontos no mesmo lugar, e o intervalo seria a distância entre eles. Ou seja, zero.

- Se ele for um intervalo que se inverte em uma oitava, ele será o único intervalo que possui uma inversão que envolva dois registros.

- Se ele for um intervalo que se inverte em si mesmo, ele será o único intervalo que após invertido terá o mesmo grau do intervalo original.

- Se ele não for um intervalo devido a ausência de espaço entre seus pontos. O único intervalo de 1ª existente seria o de 1ª Aumentada que, por sua vez é um intervalo alterado. Portanto seria um intervalo alterado que, ironicamente, não seria alterado. Pois o intervalo simples original não existiria.

 Deixo cada um com suas próprias soluções nessa discussão sem fim =]

 Com isso encerro o assunto de intervalos dentro de um contexto tonal/modal. Mais para frente escreverei um post sobre os intervalos na música atonal.

 Espero que tenha ajudado, estudem muito intervalos pois eles são a base do estudo teórico da música.
A   b   r  a   ç o  s
Augusto Girotto

6 comentários:

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    1. Muito obrigado. precisando de mais algum material é só avisar!

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  2. Respostas
    1. Muito obrigado. Precisando de mais material é só avisar!

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  3. Muito bem professor,acho muito interessante esse assunto.e estarei me aprofundando mais nele para que eu possa entender mais...obrigado.😊

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    1. É muito interessante mesmo! Qualquer dúvida é só escrever!

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